domingo, 22 de diciembre de 2024

PT ENCÍCLICA PATRIARCAL PARA O NATAL



+ B A R T O L O M E U

PELA MISERICÓRDIA DE DEUS,
ARCEBISPO DE CONSTANTINOPLA-NOVA ROMA
E PATRIARCA ECUMÊNICO. 

A TODA A PLENITUDE DA IGREJA
GRAÇA, MISERICÓRDIA E PAZ
DO SALVADOR CRISTO NASCIDO EM BELÉM. 

Veneráveis irmãos hierarcas e filhos abençoados no Senhor,

Pela graça de Deus, mais uma vez chegamos ao dia festivo da Natividade segundo a carne do Verbo de Deus, que veio ao mundo e habitou entre nós «por sua inefável filantropia». Honramos, com salmos e hinos, bem como com alegria inexprimível, o grande mistério da Encarnação, que é «mais nova do que tudo que é novo, a única novidade sob o sol»[1], por meio da qual se abre o caminho para nossa deificação pela graça e toda a criação é renovada.

O Natal não é a vivência de emoções passageiras, que «chegam rapidamente e desaparecem ainda mais rápido». É uma participação existencial em todo o evento da Economia Divina. Como testemunha o Evangelista Mateus (Mt 1:18–2:23), os líderes deste mundo buscaram desde o início obliterar o Divino Infante. Para nós, os fiéis, juntamente com o anúncio «Cristo nasce!», da festa da Encarnação do Filho e Verbo de Deus Pai, ressoam também os sinos lúgubres da Paixão e sempre o jubiloso «Cristo ressuscitou!», a boa-nova da vitória sobre a morte e a esperança da ressurreição comum.

As palavras «Glória a Deus nas alturas e paz na terra» ressoam novamente em um mundo repleto de violências, injustiças sociais e degradação da dignidade humana. O progresso impressionante da ciência e da tecnologia não alcança as profundezas da alma humana, pois o ser humano é sempre mais do que aquilo que a ciência pode compreender ou o progresso tecnológico pode aspirar. O abismo entre o céu e a terra na existência humana não pode ser cientificamente transposto.

Hoje fala-se muito sobre o «meta-humano» e se muito se exalta a inteligência artificial. O sonho de um «super-humano» certamente não é novo. A ideia de um «meta-humano» fundamenta-se no progresso tecnológico e no fornecimento de recursos anteriormente inimagináveis à experiência e à história humanas, por meio dos quais o ser humano busca transcender as medidas humanas atualmente válidas. A Igreja não é tecnofóbica. Ela aborda o conhecimento científico como «um dom divinamente concedido aos seres humanos», sem, no entanto, ignorar ou suprimir os perigos do cientificismo. A Encíclica do Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa (Creta, 2016) enfatiza a contribuição do Cristianismo «para o desenvolvimento saudável da civilização secular», visto que Deus «estabeleceu os seres humanos como administradores da criação divina e colaboradores Dele no mundo». Além disso, destaca que «a Igreja Ortodoxa contrapõe ao 'homem-deus' do mundo contemporâneo o 'Deus-homem' como medida última de todas as coisas: 'Não proclamamos um homem deificado, mas um Deus que se fez homem' (São João Damasceno, Exposição Exata da Fé Ortodoxa, III, 2 PG 94,988)[2].

A resposta à pergunta crucial — como podemos preservar a «cultura da pessoa», o respeito por sua sacralidade e a ênfase em sua beleza até o derradeiro «oitavo dia», diante do titanismo e do prometeanismo da cultura tecnológica, de sua evolução e transmutação, em meio às mudanças antropoteístas e exageros da humanidade — foi dada de uma vez por todas no mistério da Humanidade Divina. O Verbo de Deus se fez carne; a «verdade veio» e «a sombra passou». Para os seres humanos, a verdade estará sempre associada à sua relação com Deus, como resposta à descida de Deus em direção a eles, e como expectativa e encontro com o Senhor da glória que está por vir. Esta fé viva sustenta o esforço do homem em responder às contradições e desafios de sua vida terrena, à vida «vivida com pão», à sobrevivência e ao desenvolvimento social e cultural. Contudo, nada em nossa vida prospera sem referência a Deus, com o horizonte voltado para a «plenitude de vida, a plenitude de alegria e a plenitude de conhecimento» de Seu Reino[3].

O Natal é uma oportunidade para nos conscientizarmos do mistério da liberdade divina e do grande milagre da liberdade humana. Cristo bate à porta do coração humano, mas somente o homem, honrado com tal liberdade, pode abrir essa porta. «Claramente, sem Ele, sem Cristo», como escreve o saudoso Pe. Georges Florovsky, «o homem não pode fazer nada. Contudo, há algo que apenas o homem pode fazer — responder ao chamado de Deus e acolher Cristo»[4].

Ao dizer «Sim» a este chamado do Alto, Cristo se revela como «a luz verdadeira» (Jo 1: 9), «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14: 6), a resposta às questões últimas e buscas do intelecto, aos anseios do coração e às esperanças da humanidade, bem como à origem e ao propósito da criação. Pertencemos a Cristo, em quem todas as coisas estão unidas. Cristo é «o Alfa e o Ômega, o primeiro e o último, o princípio e o fim» (Ap 22: 13). Em Sua encarnação voluntária «por nós, homens, e para nossa salvação», o Verbo de Deus  não habitou em uma única pessoa, mas abraçou toda a natureza humana em sua hipóstase»[5], estabelecendo assim o destino eterno comum e a unidade da humanidade. Ele não liberta um povo, mas toda a raça humana; Ele não transforma salvificamente apenas a história, mas renova toda a criação. Assim como na história, também no universo, «antes de Cristo» e «depois de Cristo» permanecem validamente definitivos e determinantes. Ao longo de sua jornada no mundo, na história e através dela até os Eschata, até o dia sem ocaso no Reino celestial do Pai e do Filho e do Espírito Santo, a Igreja, que «não é do mundo», dá testemunho da verdade e realiza sua obra santificadora e espiritual «pela vida do mundo».

Irmãos e filhos no Senhor,

Com espírito de devoção, inclinemos os joelhos diante da Mãe de Deus que segura o Divino Infante e adoremos humildemente «o Verbo desde o princípio» que assumiu nossa forma. Desejamos a todos vós um abençoado e santo Tempo do Dodecanésio (os Santos Doze Dias), bem como um ano novo favorável, saudável, pacífico e frutífero em boas obras, pleno de alegria espiritual e dons divinos. Neste ano, no qual todo o mundo cristão celebra e honra o 1700º aniversário do Primeiro Concílio Ecumênico em Niceia.

Natal de 2024

† Bartolomeu de Constantinopla
Fervoroso intercessor por todos vós perante Deus.



[1] João Damasceno, Uma Exposição Exata da Fé Ortodoxa, PG 94.984.

[2] Encíclica, § 10.

[3] Alexander Schmemann, Eu Creio (Atenas: Akritas Editions, 1991), 129 [do grego].

[4]  Georges Florovsky, Criação e Redenção (Thessaloniki: Pournaras Editions, 1983) [do grego].

[5] Nicolau Cabasilas, Nove homilias não publicadas (Thessaloniki, 1976), 108.