Páginas

viernes, 1 de marzo de 2019

Homilia Catequética na abertura da Santa e Grande Quaresma 2019


BARTOLOMEU,
PELA MISERICÓRDIA DE DEUS
ARCEBISPO DE CONSTANTINOPLA-NOVA ROMA
E PATRIARCA ECUMÊNICO
A TODO O PLEROMA DA IGREJA:
A GRAÇA E A PAZ DE NOSSO SENHOR E SALVADOR JESUS CRISTO
E, DE NOSSA PARTE, ORAÇÃO, BÊNÇÃO E PERDÃO.

Irmãos e Irmãs, filhos e filhas bem-amados no Senhor,

Com a graça de Deus, o doador de todos os dons, chegamos novamente ao tempo da Santa e Grande Quaresma, arena de luta ascética, a fim de purificar-nos, com a ajuda do Senhor, através da oração, do jejum e da humildade, e de preparar-nos a nós mesmos para uma experiência espiritual da venerável Paixão e a celebração da esplendorosa Ressurreição de Cristo Salvador.

Em um mundo tão conturbado, a experiência ascética da Ortodoxia constitui um bem espiritual inestimável, uma fonte inesgotável de conhecimento divino e sabedoria humana. O fenômeno da abençoada ascese, cujo espírito permeia todo o nosso modo de vida – como «ascese é o cristianismo em sua totalidade» – não é privilégio de alguns poucos escolhidos, mas um «evento eclesial», um bem comum, uma bênção compartilhada e vocação comum de todos os fiéis, sem exceção. As lutas ascéticas, é claro, não são fim em si mesmas; o princípio de que a «ascese existe para o bem da própria ascese» não é válido. O propósito da ascese é a transcendência da vontade própria e a «mente da carne», a transferência do centro da vida do desejo individual e o «direito», ao amor que «não busca o que é próprio», de acordo com a passagem bíblica: «Que ninguém busque o seu próprio bem, mas o bem do outro» (1 Cor 10,24).

Tal é o espírito que prevalece em toda a longa jornada histórica da Ortodoxia. No Novo Miterikon, nos deparamos com uma excelente descrição desse ethos de renúncia ao que é «próprio» em nome do amor: «Alguns eremitas de Scete aproximaram-se de Amma Sarah, que lhes ofereceu um recipiente com as provisões básicas. Os anciãos separaram o boa comida e consumiram a de pior qualidade. O justo Sarah lhes disse: ‘Vocês são verdadeiramente monges de Scete’ ». Esta sensibilidade e o uso sacrificial da liberdade é estranho ao espírito de nossa época, que identifica liberdade com as reivindicações e direitos individuais. O homem «autônomo» contemporâneo nunca consumiria antes a comida de pior qualidade, mas a boa, convencido de que assim expressa o uso, ao mesmo tempo autêntico e responsável, da liberdade individual.

Este é o lugar onde reside o valor supremo do conceito ortodoxo da liberdade humana. É uma liberdade que não exige, mas compartilha, não insiste, mas se sacrifica. O cristão ortodoxo sabe que a autonomia e autossuficiência não libertam a humanidade dos grilhões do ego, da auto-realização e auto justificação. A liberdade «para a qual Cristo nos libertou» (Gal 5,1) mobiliza a nossa capacidade criativa e se cumpre como rejeição de confinamento em si mesmo, como o amor incondicional e comunhão de vida.

O espírito ascético ortodoxo não conhece divisão e dualismo; não rejeita a vida, mas a transforma. A visão dualista e a negação do mundo não é um conceito cristão. O ascetismo genuíno é pulcro, é caridoso. É uma característica da autoconsciência ortodoxa que o período de jejum é permeado pela alegria da Cruz e da Ressurreição. Além disso, a luta ascética dos cristãos ortodoxos – bem como a nossa espiritualidade e vida litúrgica em geral – comunica a fragrância e o esplendor da Ressurreição. A Cruz está no coração de piedade ortodoxa, mas não é o ponto final de referência na vida da Igreja. Em vez disso, a essência da vida espiritual ortodoxa é a inefável alegria da Ressurreição para a qual a Cruz constitui o caminho. Assim, durante o período da Grande Quaresma, a quintessência da experiência para os cristãos ortodoxos é sempre o anseio da «Ressurreição comum».

Orai, então, amados irmãos e irmãs no Senhor, para que possamos ser considerados dignos, com a graça e ajuda do Alto, através das intercessões da Theotokos, como a primeira dentre os santos, e as de todos os santos, para que possamos percorrer a corrida da Santa e Grande Quaresma de maneira apropriada diante de Cristo, exercitando alegremente, em obediência à regra da Tradição da Igreja, a «luta comum» do jejum que extingue as paixões, orando constantemente, ajudando aos que sofrem e aos necessitados, perdoando-nos mutuamente e «dando graças por todas as coisas» (Ts 5,18), a fim de que possamos venerar com um coração devoto a «Paixão Santa, Salvadora e impressionante», assim como a Ressurreição vivificante de Nosso Senhor, Deus e Salvador Jesus Cristo, a quem pertence a glória, o poder e a ação de graças pelos os séculos dos séculos. Amém.

Santa e Grande Quaresma 2019

✠ Bartolomeu de Constantinopla
Fervoroso intercessor diante de Deus por todos vós


Tradução de Pe. André Sperandio
da versão em espanhol publicada por
Sacra Metrópole de Espanha e Portugal