Homilia Catequética para o início da Santa e Grande Quaresma

PROTOCOLO Nº 0169

A TODO O PLEROMA DA IGREJA:

A GRAÇA E A PAZ DE NOSSO SENHOR E SALVADOR JESUS CRISTO E, DE NOSSA PARTE, ORAÇÃO, BÊNÇÃO E PERDÃO.

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«Tributamos um hino de gratidão ao Deus Unitrino, que nos fez dignos de retornar à santa e grande Quaresma, para combater o bom combate do ascetismo e devotar-nos ao ‘Único Necessário’» (Lc 10:42).

Irmãos e Irmãs, filhos e filhas bem amados no Senhor,

Em um mundo que se opõe ao ascetismo, diante da secularização contemporânea da vida e da dominação dos ideais egoístas e auto-indulgentes, a Igreja Ortodoxa insiste com os seus filhos em um período de Quaresma de luta espiritual e "venerável abstinência" em preparação para a Semana Santa, a Paixão e a Cruz de Cristo, para que assim possamos ser testemunhas e participantes da sua gloriosa ressurreição.

Durante a Quaresma somos chamados a viver de modo mais profundo a Economia criativa e salvífica do Deus Trino e a participar num modo mais claro da anáfora escatológica, na direção e no justo caminho da vida eclesiástica e espiritual. Nós nos damos conta do trágico beco sem saída da magniloquência auto-salvífica do Fariseu, da dureza do coração do filho mais velho da parábola do Filho Pródigo, do cruel desinteresse pela fome, a sede, a nudez, a doença, o abandono do próximo, de acordo com a narração evangélica sobre o juízo final. Somos exortados a imitar a conversão e a humildade do Publicano, o retorno do filho pródigo à casa do Pai e à confiança na sua Graça, a imitar aqueles que fazem misericórdia aos necessitados e, fortificados mediante a veneração dos ícones sagrados e a venerada Cruz, alcançar o encontro pessoal com Cristo ressuscitado dos mortos e doador de vida.

Durante este período abençoado, revela-se com particular ênfase o caráter comunitário e social da vida espiritual. Não nos encontramos sozinhos, não estamos sozinhos diante de Deus. Não somos uma soma de indivíduos, mas uma comunhão de pessoas, para as quais "ser" significa "estar juntos". A ascese não é um fato individualista, mas um evento e realização eclesial: nossa participação como crentes no mistério e os mistérios da Igreja; uma luta contra o egoísmo, uma prática de filantropia, um uso eucarístico da criação e uma contribuição para a transfiguração do mundo. É a liberdade comum, a virtude comum, o bem comum e a adesão comum à regra da Igreja. Nós jejuamos de acordo com o ordenamento da Igreja e não como individualmente nos convém. Nosso esforço ascético atua no âmbito das nossas relações com outros membros do corpo eclesial, como participação em eventos, iniciativas e ações que constituem a Igreja como comunidade de vida e de "verdade no amor" (Ef 4:15).

A espiritualidade ortodoxa está inseparavelmente unida à participação de toda a liturgia da vida da Igreja, que tem seu ápice na Divina Eucaristia, constitui devoção que é alimentada e que adquire dimensão na ou mediante a Igreja.

O período da Grande Quaresma não é um período para ressaltar extremos religiosos ou emocionais, ou sentimentalismo superficial.

Do ponto de vista ortodoxo, a espiritualidade não significa voltar para o espírito e a alma, o que promoveria uma dupla redução de matéria e corpo. A espiritualidade é a penetração de toda a nossa existência - espírito, mente e vontade, alma e corpo, toda a nossa vida - pelo Espírito Santo, que é um espírito de comunhão.

Consequentemente, espiritualidade significa transformar nossas vidas em igreja, uma vida inspirada e guiada pelo Paráclito, uma genuína presença de dons espirituais, que pressupõe nossa própria cooperação e participação livre na vida sacramental da Igreja, um modo de vida piedoso.

Veneráveis irmãos e amados fiéis no Senhor, não pode existir espiritualidade verdadeira e, ao mesmo tempo, desprovida de frutos.

Aquele que verdadeiramente ama Deus ama também o próximo e ao que se encontra distante, e toda a criação. Este amor sacrificial que "nunca falha" (I Cor 13: 8) é um ato eucarístico, plenitude da vida na Terra, antecipação e verdade dos últimos tempos. Nossa fé ortodoxa é uma fonte inesgotável de capacitação, que nos permite lutar espiritualmente, realizar ações filantrópicas e agradáveis a Deus e dar frutos generosos no mundo em benefício de todos. Fé e caridade constituem na Igreja uma experiência de vida única e inseparável. A prática da ascese, o jejum e a filantropia no Espírito Santo e a comunhão da Igreja constituem uma barreira que impede a piedade eclesial de se tornar um ídolo religioso, em uma introversão estéril ou uma façanha individualista.

O Espírito de Deus sopra continuamente sobre a Igreja, onde Deus está sempre "conosco" – junto a nós. Durante os santos dias da Grande Quaresma, somos chamados a intensificar o combate ascético contra o pensamento sobre o eu e a sermos "perseverantes na oração" (Rm 12:12), a "viver em humildade e a praticar atos de misericórdia" (Abba Poimen), vivendo virtuosamente e misericordiosamente, perdoando os outros e exercitando o amor mútuo, glorificando a Deus como doador de tudo o que é bom e dando graças por seus abundantes dons. "Eis que agora é o tempo favorável: eis que agora é o dia da salvação" (II Cor 6: 2).

Portanto, invocamos sobre todos vós a força do Altíssimo, para que todos possamos, com um ardente e alegre desejo receber esta Santa e Grande Quaresma. Desejamos-vos "um bom percurso durante o período do jejum", e concedemos nossa benção patriarcal aos nossos veneráveis irmãos, hierarcas em Cristo, bem como aos queridos filhos espirituais da Santa e Grande Igreja de Cristo em todo o mundo.

Santa e Grande Quaresma de 2018.

† Bartolomeu de Constantinopla,

Fervoroso intercessor diante de Deus por todos vós.

Fonte: www.ecclesia.com.br