No dia 27 de junho, concluiu-se em Creta o “Concílio Grande e Santo” da Igreja Ortodoxa. Apesar das desistências de algumas Igrejas, um evento epocal, construído com paciência e fé, através de instrumentos antigos e novos: qual é a razão pela qual o senhor quis esse evento?
O Santo e Grande Concílio foi o fruto de uma longa preparação e a consequência de uma decisão pan-ortodoxa, tomada desde o início do século XX. Não foi algo de novo, já que gerações de fiéis ortodoxos cresceram com esse sonho: a saber, a convocação do “Santo e Grande Concílio”. Mas a efetiva preparação do começou em 1961, com a primeira conferência pré-conciliar pan-ortodoxa de Rhodes, que lançou as bases organizativas de todo o processo pré-conciliar.
Os passos posteriores foram a convocação das “comissões” preparatórias pré-conciliares e “conferências” preparatórias pré-conciliares: em 2015, foi realizada a última conferência pan-ortodoxa. Eu gostaria, a esse respeito, de salientar que, precisamente depois da minha eleição há 25 anos ao sólio do Apóstolo André, começamos as sinaxes [isto é, as cúpulas] dos patriarcas e primazes das Igrejas ortodoxas: uma instituição nova, que se encaixa no contexto da sinodalidade.
A convocação, portanto, por parte da Nossa Modéstia e com a opinião unânime dos outros Primazes das Igrejas Ortodoxas do Santo e Grande Concílio Pan-ortodoxo não foi uma decisão pessoal, mas foi uma iniciativa, que expressava a maturação e a necessidade da convocação desse Concílio, para que se realizasse o sonho de gerações de fiéis, a fim de enfrentar e de dar uma resposta a algumas questões fundamentais da Igreja Ortodoxa. Por isso, como diz o comunicado da Sinaxe de janeiro passado em Genebra, “os participantes, ‘fazendo a verdade na caridade’, de acordo com a palavra apostólica (Ef 4,15), agiram permeados por um espírito de concórdia e de compreensão. Os primazes, consequentemente, confirmaram a sua decisão para que o Concílio seja convocado de 16 a 27 de junho de 2016”.
Qual foi e qual será o alcance do Concílio para a Igreja Ortodoxa e o que o Patriarca Ecumênico traz no coração, agora que o Concílio foi celebrado?
O Concílio é um meio de autodeterminação da própria Igreja e um meio para a sua renovação. Como eu reiterei na homilia de abertura dos trabalhos do Concílio, “não se trata de uma simples tradição canônica, que recebemos e conservamos, mas se trata de uma verdade teológica e dogmática fundamental, sem a qual não há salvação. Confessando a nossa fé expressada no Sacro Símbolo [o Credo], na Igreja una, santa, católica e apostólica, declara-se, ao mesmo tempo, a fé na sua sinodalidade, que encarna, ao longo da história, todas as propriedades do mistério da Igreja, ou seja, a sua unidade, santidade, universalidade e apostolicidade”.
A Igreja Ortodoxa passou um longo período sem conseguir convocar um Concílio de tal magnitude, especialmente por causa das convulsões políticas do século passado. O Santo e Grande Concílio não teve o caráter de um Concílio Ecumênico e também não se tratou de um Concílio que visasse a abordar questões dogmáticas ou de fé. Por esse motivo, as temáticas foram circunscritas, foram preparadas, elaboradas e transformadas durante os trabalhos pré-conciliares e foram trazidas perante a assembleia convocada para discuti-las.
A Igreja Ortodoxa, de acordo com a práxis pan-ortodoxa prevalecente, deve, no seu conjunto, implementar as decisões que foram tomadas, assim como todas as propostas e os pontos de vista que estão contidos na Encíclica Sinodal. De acordo com o que foi decidido durante a última Sinaxe dos Primazes, de janeiro de 2016 em Chambesy, cada Igreja Ortodoxa Autocéfala irá valorizar de modo apropriado os textos aprovados e a Encíclica Sinodal. O Concílio, por meio dos textos elaborados e aprovados, conseguiu responder com sucesso às exigências do mundo moderno cristão ortodoxo, procedendo a análise e a solução dos problemas pastorais cotidianos, como, por exemplo, os casamentos mistos, as relações com os cristãos de confissão não ortodoxa e a importância do diálogo inter-cristão e inter-religioso.
A presença de observadores de Igrejas não ortodoxas e de organizações cristãs [o Conselho Mundial de Igrejas] é um exemplo concreto da importância que a Igreja Ortodoxa atribui à colaboração com os outros cristãos. O Patriarcado Ecumênico, como o primeiro Trono, tendo a responsabilidade de coordenar as relações e o diálogo inter-cristão e inter-religioso, acompanha com um interesse inalterado o caminho do testemunho do Evangelho. Um testemunho feito durante a conturbada história do Patriarcado Ecumênico por figuras como os Padres da Igreja João Crisóstomo e Gregório, o Teólogo, Jeremias, o Grande (o patriarca que, no século XVI, respondendo aos apelos de Melanchton, disse: “Basta de outros cismas entre os cristãos”) e, na era moderna, com Ioakim III no início do século passado, e Atenágoras, nos anos 1960″.
No Concílio, participaram mais de dois terços das Igrejas: mas o que as Igrejas não ortodoxas vão receber do Concílio de Creta?
Na verdade, a Igreja Ortodoxa, através desse Concílio, adquiriu a possibilidade de se dirigir com maior autoconvicção à sociedade moderna e de se expressar com uma única voz sobre questões relativas à colaboração e cooperação com as outras Igrejas cristãs e com as outras religiões. Em particular, as Igrejas Ortodoxas Autocéfalas, onde coexistem com outras Igrejas cristãs e confissões e as outras religiões, prestam-se à instauração de um espírito de paz e de convivência através do diálogo e do debate cotidiano, em um mundo hoje flagelado pelas guerras, pelo terrorismo e pela instabilidade política.
Como se diz na Encíclica Sinodal do Santo e Grande Concílio , “a Igreja Ortodoxa sempre deu grande importância ao diálogo e, particularmente, ao diálogo com os cristãos de confissões diferentes. Através desse diálogo, o mundo cristão não ortodoxo tomou melhor conhecimento da Ortodoxia e da autenticidade da sua tradição. Nós acreditamos que, para além da continuidade do diálogo teológico bilateral com a Igreja Católica de Roma, há espaço para ações e iniciativas comuns, como a última visita a Lesbos, realizada junto com o irmão Papa Francisco, expressão mínima, mas exemplar, de solidariedade aos refugiados”.
No século passado, o movimento ecumênico semeou nas Igrejas uma expectativa de unidade: um sonho que tem inimigos. Em nove anos, será celebrado o XVIII centenário do primeiro Concílio Ecumênico: quais são os progressos esperados?
O primeiro Concílio Ecumênico em Niceia, em 325, constitui uma etapa essencial da expressão da sinodalidade da Igreja. Com esse meio, a Igreja assegurou a sua identidade e foi protegida ao longo dos séculos de divergências dogmáticas e doutrinais. Depois do cisma de 1054, a Igreja não cessou de colocar a fé em Deus para a plena unidade: e por isso continuou o diálogo construtivo. Infelizmente, dois importantes Concílios – o de Lyon, em 1274, e o de Ferrara e Florença, em 1438-1439 – não conseguiram curar as divergências entre a Igreja do Oriente e do Ocidente, com o resultado da persistência, até os nossos dias, dessa divisão.
Naturalmente, essa é uma vergonha para nós, cristãos, e nunca se deverá deixar de tentar restabelecer a unidade “para que todos juntos nos encontremos reunidos na mesma fé e no conhecimento do Filho de Deus, para chegarmos a ser o homem perfeito que, na maturidade do seu desenvolvimento, é a plenitude de Cristo” (Ef 4, 13). Contentar-se com o que já tivemos nos leva à apatia e ao esquecimento ou, pior ainda, à recusa de dialogar com os nossos irmãos cristãos. Isso constitui um grande pecado e expressa a nossa máxima desobediência à vontade de Deus pela unidade.
Pela graça do Espírito Santo, as pessoas que, no nosso tempo, foram chamadas a oferecer a sua diaconia ao serviço da Igreja, são permeadas pela necessária nobreza e sensibilidade espiritual, de modo que possam se expressar com maior fé e confiança em favor da unidade de cristãos. Essa vontade foi muito viva e forte no início dos diálogos teológicos bilaterais do século passado, apesar dos rumores malignos que tentaram atacar esse esforço. Até agora, conseguimos encontrar um ritmo constante de comunicação e um método de análise teológica: eles constituem instrumentos necessários para a nossa cooperação prática em matéria de reflexão teológica. Naturalmente, não faltam vozes provenientes de todas as Igrejas cristãs que desejam a interrupção desse diálogo: mas não devemos nos esquecer, porém, de que isso seria particularmente agradável ao Detrator [o Diabo], que deseja a divisão e diaboliza toda obra que vise à unidade e a fazer um caminho comum.
A Igreja Ortodoxa, de sua parte, tem fé em Deus e, com otimismo, continuará os diálogos teológicos, especialmente com a irmã Igreja Católico-Romana. Nós acreditamos que, nos próximos anos, haverá progressos significativos. Não seria sábio colocar limites de tempo ao nosso diálogo, e não se deve trabalhar com os critérios e as regras seculares. Acreditamos que devemos dialogar com sinceridade e senso de caridade e continuar a rezar muito, para que, com a graça de Deus, quando Ele quiser, cheguemos a resolver as nossas controvérsias e a alcançar, assim, a tão desejada unidade.
Fonte: www.ecclesia.org.br