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viernes, 15 de enero de 2016

Discurso do Patriarca Ecuménico num evento de estudiosos em Constantinopla


Amados e ilustres Estudiosos,

O Patriarcado Ecumênico, a Igreja de Constantinopla, a Igreja de Santo André, o “Primeiro Chamado dos Apóstolos” e seu discípulo Santo Stachys, dos “Setenta Apóstolos”, instituição com uma história abrangendo dezessete séculos, durante os quais manteve seus departamentos administrativos nesta mesma cidade, em tempos de glória e de martírio, acolhemos hoje a todos vocês com muita satisfação.

Como todos vocês bem sabem e apreciam através de seus estudos, esta região extraordinária significa muito para a nossa Igreja. Foi aqui que São João, o Apóstolo do Amor, escreveu seu Evangelho; foi aqui que São Paulo, o Apóstolo das Nações, constituiu as primeiras comunidades apostólicas; foi aqui – na Ásia Menor, não na Grécia ou na Itália – que todos os primeiros concílios da Igreja, que definiram e moldaram a doutrina cristã, foram convocados; é aqui que os tesouros espirituais de Bizâncio – a sua profunda herança teológica, espiritual e cultural – são fielmente conservados até hoje.

Entretanto, como vocês também devem estar cientes e certamente compreendem muito bem, a Ortodoxia é uma fé enraizada no passado e um Igreja com seu olhar dirigido para o futuro. É caracterizada por um profundo senso de continuidade com os tempos e os ensinamentos da Igreja Apostólica, a Igreja dos Padres; mas é também uma Igreja que se vale deste seu riquíssimo patrimônio para responder aos desafios e dilemas modernos. É precisamente esta dupla natureza que permite à Ortodoxia falar corajosamente sobre questões contemporâneas críticas – precisamente porque é uma “tradição viva”.

Queridos amigos, vocês estão aqui num momento crítico, um tempo complexo, um momento desafiador – tanto para a nossa Igreja Ortodoxa, como para o mundo inteiro. Convidamos vocês para este encontro pessoal de intercâmbio aqui no Fanar porque os consideramos um pequeno grupo representativo de um segmento muito maior da nossa Igreja, um símbolo da nossa amorosa preocupação para com todos aqueles aos quais ministramos a Palavra de Deus, de diversos modos e em todos os lugares do mundo. Vosso grupo é constituído por teólogos e historiadores, estudiosos e professores, homens e mulheres dos Estados Unidos e da Europa, da Ásia e da Austrália, que trabalham na formação de amplos e diversos segmentos de pessoas – ortodoxos e não-ortodoxos, cristãos e não-cristãos, acadêmicos e ecumênicos – traduzindo os princípios fundamentais de nossa fé para responder adequadamente aos desafios vitais de nosso tempo.

Permitam-nos, portanto, sugerir-lhes, que o diálogo aberto e honesto é o caminho da Igreja e da teologia. Deus se valeu da palavra, do diálogo, para criar o mundo e formar os primeiros seres humanos, Adão e Eva. Deus estabeleceu diálogo com sua criação através da Lei e dos profetas. Deus entra em diálogo quando o Verbo divino assumiu a carne e veio habitar entre nós. Deus sempre usou o diálogo, através dos mártires e dos santos, ao longo dos séculos e em nossos dias. Na verdade, Deus só pode ser compreendido através do diálogo – na interpretação das Escrituras Sagradas, nos Concílios da Igreja. Em sua mais profunda e concisa afirmação, o evangelista São João nos revela que: “No princípio era o Verbo… e o Verbo era Deus” (Jo 1, 1).

É por isso que nós convidamos vocês para estarem aqui hoje: para que possamos conversar e ouvir uns aos outros – “olharmos nos olhos uns dos outros”, como o falecido Patriarca Ecumênico Athenagoras gostava de dizer. Certamente que vocês estão bem informados sobre os diálogos com os quais o nosso Patriarcado Ecumênico de Constantinopla encontra-se engajado:

-Com as nossas Igrejas Ortodoxas irmãs, em um esforço para coordenar uma maior unidade e cooperação;
-Com outras confissões cristãs e outras comunidades de fé, em nosso desejo de promover a reconciliação e a mútua compreensão;
-E com a comunidade científica, para que juntos possamos encontrar respostas que nos ajudem a enfrentar questões como a da degradação ambiental, entre outras questões bioéticas,

No entanto, há um outro diálogo que é de suma importância na vida e no ministério da Igreja, isto é, o nosso diálogo com o mundo. Somos chamados a ouvir e a discernir a voz de Deus – às vezes “como de um vento veemente e impetuoso” (At 2, 2); outras vezes, “como uma brisa suave” (1Rs 19,12) – em todas as circunstâncias e em todos os cantos do nosso planeta. Ouvimos falar a voz de Deus:

-Na perseguição das minorias cristãs em todo o mundo, especialmente no Oriente Médio, onde o cristianismo surgiu;
-Na crise humanitária de nossos irmãos e irmãs forçadas a deixar suas casas e a procurar refúgio em todo o mundo;
-Nas injustiças impostas aos membros vulneráveis ​​e marginalizadas das sociedades contemporâneas;
-Mas também no uso e abuso da religião para interesses políticos e para outros fins seculares.

É precisamente por isso que – com a graça de Deus, as orações de nossos fiéis e o apoio de teólogos e estudiosos como vocês – iremos convocar o Santo e Grande Concílio para a Festa de Pentecostes deste ano de 2016, conclamando todas as Igrejas Ortodoxas Autocéfalas a nos reunirmos no mesmo lugar (na igreja de Hagia Irene, onde se realizou o 2º Concílio Ecumênico no ano 381) e deliberarmos, com uma só mente, sobre as questões que a Igreja tem se confrontado nos tempos mais recentes.

Abordaremos questões internas relacionadas à unidade e administração da Igreja, mas também questões como as relações com outras igrejas e religiões, a fim de apresentarmos, em uníssono, um testemunho credível para a vida do mundo.

Neste sentido, contamos com o apoio dos piedosos estudiosos ortodoxos, que estão preocupados com a unidade da nossa Igreja e o seu papel na vida pública, onde circulam tantas opiniões concorrentes, e onde a palavra da Ortodoxia pode efetivamente contribuir positiva e construtivamente através do diálogo. Nossa fé não deve ser considerada uma fé estagnada ou mesmo obsoleta. Não deve ser transmitida de forma jactanciosa ou talvez artificial. E não pode ser descartada como meramente cerebral ou insossa, sem inspiração. Nossa palavra deve expressar a esperança e alegria, a luz e a vida do Senhor ressuscitado. Ela deve ser renovada e renovar, rer refrescante e revitalizar.

É assim que o Santo e Grande Concílio deve falar ao mundo inteiro. É assim que todos nós somos chamados a servir, cada um de nós a partir de sua própria posição na Igreja e na sociedade, mesmo depois do Santo e Grande Concílio. E é assim que a Igreja gostaria de apoiar e fazer avançar o seu próprio trabalho, em seminários e nas universidades, em círculos ecumênicos e outros. Desta maneira, poderemos fortalecer os laços entre o ministério hierárquico e diaconia laica, em benefício do Corpo de Cristo e para a glória do nosso Deus vivo.

Com esta reflexão paternal queremos mais uma vez saudar e dar as boas-vindas a todos vocês, e dizer-vos que estamos ansiosos por ouvir vossa resposta e reação. Esperamos que a vossa breve estadia nesta eminente cidade seja agradável e gratificante.

† Bartolomeu de Constantinopla
5 de janeiro de 2016

Fonte: www.pravmir.com
Tradução (livre): Pe. André Sperandio